sexta-feira, 15 de maio de 2009

Na veia



"você não sabe o quanto eu caminhei, pra chegar até aqui, percorri milhas e milhas antes de dormir ... eu não cochilei...os mais belos montes escalei (...) Nas noites escuras de frio chorei (...) A vida ensina, e o tempo traz o tom, prá nascer uma canção, com a fé no dia-a-dia encontro a solução (...)"

"Você tem o jornalismo na veia e fez todas as perguntas que um bom repórter deve fazer", afirmou um jornalista que completou 82 anos hoje. Ele procurou o jornal que trabalho atualmente para conversar e mostrar o trabalho que realiza em Bauru - SP, onde produz um jornal mensal sobre memórias da cidade e é encartado como suplemento de um outro jornal.
Durante uma conversa-entrevista, ele me contou sobre a vida que leva, algumas memórias e falou da atual imprensa, contudo, o que mais me marcou e me fez rever minha vida, embora a visita dele tenha iluminado meu dia, foi que quando ele montou o jornal, uma pessoa disse que não duraria três meses e o suplemento está completando 30 anos.
Me lembrei de que, muitas vezes, me disseram que eu não iria conseguir e todas palavras negativas serviram como impulso para que eu fosse adiante.
Na última semana, uma jornalista que se formou comigo (e não exerce por comodismo) falou que só chegou ao final da faculdade porque uma outra amiga a pegava e deixava em casa todas as noites e as viagens de 40 km - de Poços para São João - se tornaram mais suportáveis. Foi então que eu lembrei que para mim, não foi fácil desde o início.

Sempre soube que queria fazer jornalismo e entrar no curso foi diferente de qualquer coisa que eu já tivesse vivido nos meus 17 anos de vida.
Mas, nem tudo foi fácil. Era difícil não ter um emprego, não poder ir em todas as festas, não vestir as roupas da moda, não acompanhar as demais ´patys´da minha sala, que tinham pais médicos, psicólogos, jornalistas, entre outros.
Meu pai cursou até o 4º ano primário. Minha mãe também. Mas lutaram a vida toda para que eu tivesse um diploma.
Ir a faculdade não era fácil. Como moro há 10 km do centro e na época eu não trabalhava, tinha que pegar um ônibus. Para dar tempo de pegar a van, tinha que sair de casa 17h20, ou seja, não dava pra jantar antes de ir, mas naquela época era bom, ainda dava tempo de tomar banho...rsrsrs
Quando eu comecei a trabalhar, saia de casa antes das 8h e só voltava 00h50, quando a van que eu ia deixava todos os outros estudantes. Eu era a última da turma. A última que ia dormir e talvez a primeira a acordar. Por morar longe, tinha que pegar ônibus mais cedo. Mas, nunca pensei em desistir, em abandonar o curso.
Fiz alguns bicos, trabalhei como monitora infatil em hotel, buffet, entreguei panfletos na rua e outras coisas para ganhar um dinheiro e garantir algumas baladas que eu gostava de fazer, ou comprar alguns livros.
Normalmente eu não comia na faculdade porque o dinheiro não dava para isso.
E assim, os anos de curso foram passando. Entre a sala de aula, o corredor, a biblioteca, o boteco e a van, aprendi MUITO, coisa que muita gente não consegue durante toda uma vida.
Fiz alguns dos grandes amigos que tenho hoje. Outros, não vejo mais e alguns, por falta de afinidade, não tenho mais assunto.
Como sempre fui uma pessoa polêmica e muito desbocada, logo no início fiz as inimizades na classe também e confesso: por alguns momentos pensei em migrar para o curso de Publicidade e Propaganda, coisa que eu poderia fazer até o início do 3º ano, porque as grades eram parecidas, mas, algo mais forte (Deus) fez com que eu continuasse no jornalismo, e óbvio, não me arrependo.
O mais difícil foi o último ano, quando eu trabalhava numa livraria como vendedora faz-de-tudo e fazia o famoso 'horário comercial'. Na hora do almoço eu fazia inglês para não perder o tempo de curso e minha irmã me ajudava a pagar. No restante do horário, quando o movimento era pequeno, aproveitava para estudar e ler (li o quanto pude naquele período, o que me fez ser quem sou hoje e me ajudou a construir minha pequena biblioteca).
Mas, durante a execução do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), pensei que fosse enlouquecer. Tinha tudo para fazer e não tinha estrutura. A loja estava para fechar e não tinha mais computador, energia elétrica, nada.
Entre as lágrimas por ter que abandonar o emprego que eu tanto gostava, a pressão para entregar o TCC e falta de tempo até para tomar banho - acordava as 7h e ficava até a 01h sem tomar banho, ia para faculdade obviamente sem comer e várias vezes, deixava de fazer o horário de almoço para poder cochilar na parte inferior da loja - ainda tinha que resolver o que fazer com uma turma de 15 alunos (inclusive eu) que estava sem transporte para São João da Boa Vista. Eu e minha turma de amigos das vans batemos todos os recordes e fomos expulsos de todas empresas que realizavam o transporte. Nossa bagunça era imensa, no entanto, talvez a unica forma de suportar aquelas viagens após um dia inteiro de trabalho sem surtar.
No último trimestre- o pior - fiquei sem van realmente e tinha que ir de ônibus. Para ir, tudo bem. Ele cobrava até mais barato, mas, para voltar, ele me deixava no centro da cidade e eu tinha que pegar um ônibus do município para chegar em casa, porém, a hora que o ônibus vindo de São João parava no centro, o último ônibus para o meu bairro já havia saído do ponto e a única solução era esperar o último ônibus do bairro ao lado, que saia 00h50 do ponto e chegava no bairro por volta de 01h20. Ai era caminhar cerca de 1km até chegar em casa. Por várias vezes tive medo de fazer o caminho sozinha e ser abordada por um pseudo-marginal que poderia roubar o pouco que eu tinha e liguei para meu pai, fazendo ele sair da cama e ir me pegar de carro no ponto do bairro vizinho.
Quando eu terminei e fui aprovada com 10 no TCC, chorei gritado ao lembrar cada dia difícil, cada banho que deixei de tomar, cada roupa que deixei de comprar, cada festa que deixei de ir, cada coisa que deixei de fazer pelo meu diploma, mas, eu havia conseguido, embora não tenha sido fácil.
No entanto, hoje eu já não lembro mais destas dificuldades, talvez até porque eu tenha outras, mas, nunca deixei de sentir aquele jornalismo correndo nas veias, durante este quatro anos, durante a época do TCC e todas as entrevistas feitas e em cada passo dado na realização do sonho.
Assim que o ano acabou, ficou lá em São João as lembranças do caminho para o sonho e na memória uma outra parte.
Na colação de grau (foto) pude ver, pela última vez, a turma toda reunida. Não sei o quanto cada um caminhou para estar ali, colando grau, recebendo um diploma, jurando em nome de uma profissão.
Aquela foi também a última vez que vi minha melhor amiga (vide último post), que me ajudou a caminhar na busca do sonho. Algumas lembranças se foram, pra sempre, junto com ela.
Na sequência, fiz uma entrevista de emprego em São Paulo na área de Publicidade e outra em Poços, num jornal.
Na de São Paulo fui bem recebida e o emprego era meu. Na de Poços, aquele que seria meu patrão por dois anos me olhou nos olhos e disse: 'Você não é jornalista'. Eu sustentei o olhar e respondi: 'Sou e vou te provar que posso ser bem melhor do que isso'. Acho que provei. Talvez não pra ele, mas para mim mesma. Provei que poderia ser muito mais do que aquilo. Muito mais do que uma recém-formada querendo aparecer, querendo as 'glórias' televisivas, querendo aparecer.
Provei para muitos que o jornalismo corria nas veias. Inclusive para uma professora, que certo dia, me disse que eu não era competente. Essa mesma, um ano depois que eu estava formada, me convidou para uma palestra na faculdade sobre jornalismo literário. Eu fui. E provei para mim, novamente, que o jornalismo estava ali para ser vivido por mim mesma, por quem estivesse disposto a questionar e mudar as coisas.
Por dois anos, fui repórter de várias editorias naquele jornal, inclusive na de polícia, que eu fugi de ser e relutei durante tanto tempo.
Durante aqueles dois anos, vivi tudo que eu poderia viver como repórter de um jornal impresso do interior. Até coisas inimagináveis, mas, aprendi muito.
Aprendi com os desafios que me foram impostos, com as vezes em que um não me foi dito, todas as vezes que eu pensei que não conseguiria e o resultado foi melhor que o esperado.
O melhor, inclusive, foi como na época da faculdade, não ter abaixado a cabeça diante do que impunham, não ter desistido quando parecia impossível continuar. Foi aí que me enxergaram, aí que me viram como sou, aí que meu talento se revelou e quanto mais eu fiz, melhor me tornei e mais espaço conquistei.
Mas, mais uma vez, tudo que vivi ficou naquele passado de dois anos.
Agora é uma nova etapa. Não menos proveitosa. Aprendo a cada dia, com novas dificuldades.
Porém, observando muitos jornalistas de hoje, vejo que a maioria não tem a garra necessária para seguir adiante. 100% não passaria pelo que eu passo (ônibus lotado, marmita amassada, salário baixo, jornadas longas) para ver, no fim do dia, a matéria pronta, no outro dia, a glória da manchete que dura só até a próxima edição e para sentir, todo os dias, em cada nova pauta, em cada nova possibilidade de matéria, em cada entrevista, cada pergunta, cada questionamento, cada fotografia, cada letra digitada, cada texto, o jornalismo pulsante na veia, que bate mais forte do que a vontade de ir embora cedo, de sair, de ter um programa normal, de ignorar uma cirene que passa, de fazer qualquer outra coisa, porque reportar a vida e o mundo é mais importante !

O jornalismo é algo que está na veia

Eu odeio uma frase, que se eu disser alguma vez na vida você me interna: 'Quando eu era repórter...' Quando eu 'era', não: eu sempre vou ser repórter" (Paulo Vinicius Coelho)


O texto, escrito com pressa e as vírgulas totalmente fora do lugar são de uma repórter (jornalista-por-formação, sim !) que, apesar de tudo, ainda acredita. E os punhos cerrados e um sorriso no rosto porque a luta não para !

PAZ.
Jéssica Balbino

2 comentários:

  1. Parabéns pela conquista, menina. Parabéns mesmo. Pelo seu texto, fica claro as dificuldades que você enfrentou. Continue usando essa determinação para aprender mais cada dia, como você mesma disse estar fazendo. Paz pra você também!

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  2. Parabéns mulher...
    Um novo ciclo agora se inicia.
    Socialize o conhecimento adquirido aos olhos da tua lente, lembrando que sua lente mira somente oq os teus olhos reais desejam captar...

    Siga em frente, e lembre-se que não estou atrás de você, estou ao lado, então olhe pra frente de cabeça erguida.

    Crônica Mendes

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